O que a gente procura no colo
é ternura
O que aos poucos nos falta
é pura ternura
é colo
Onde se repousa
Onde se chora
Onde se espera
"Os santos repousam no colo de Deus assim como as crianças no colo da mãe".
E acaso se difere os santos das crianças?
O colo de Deus do colo das mães?
É que na vida
sempre nos falta:
um pouco de colo na alma
Colo e ternura.
Assim a vida bastava
e as pessoas seriam felizes.
Porque hoje, perdi um colo
que se foi quando fechei a porta do carro.
Mas encontrei ternura,
ao entrar pela porta de casa.
nossa temporalidade
domingo, 13 de outubro de 2019
quinta-feira, 21 de março de 2019
Frágil existência
Quieu não seja condenado
simplesmente
por carregar no sangue
dos
bens, o mais frágil
E
que a existência não seja derramada em vão
como
se carecesse sentido
Porque
existir, com toda fragilidade,
é
nosso protesto mais forte.
As
dores, as chacinas, as injustiças
apenas
testam nossa fragilidade
Mas
a resistência, confirma.
Confirma
que é sendo frágil, que se é forte
Perdoando, ainda que traído
Sendo
gentil mesmo parecendo besta.
Nossa
fragilidade, em um mundo de grosserias,
apenas
confirma a força da ternura
que
pode vencer as mesmas guerras que homens combatem armados.
Outro
dia mesmo, vi uma menina frágil
que
vencia uma série de coisas
com
apenas um pouco de chá e amor
E
quando sua frágil existência resolvia se manifestar
todo
o amor daquele chá se derramava de volta
e
ela se descobria o quanto era forte.
quinta-feira, 14 de março de 2019
coisa com coisa
Voltar a escrever é como se reinventar, é como, desde o
início, fazer tudo de novo.
Na verdade, na vida, é como se nada fora escrito, ou se
sempre fosse tempo de rescrever.
O amor com suas tantas urgências de última hora, sempre nos
convencendo que basta um chá e tudo se resolve.
Mas há na vida coisas que não se pode reescrever com chá.
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De uns tempos para cá, meu coração começou a ficar verde.
Às vezes, penso ser por causa da idade que, a cada semana, avança um bocado.
Às vezes penso ser o contrário, que por mais velho que eu me
torne, nunca amadureço.
Seja o que for, é assim que as coisas têm ficado por aqui,
verde.
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Pode ser que nos habituemos às salas.
Ao menos elas se parecem em todo canto, não há muito o que
modificar.
Por vezes, basta uma mesa simples para nos proteger de toda
realidade que existe lá fora: do lado de cá, meu trabalho e do lado de lá, o
problema dos outros.
Assim, tudo fica mais fácil, tudo bem separadinho, onde o
arroz é arroz e o feijão é feijão.
O problema é que o encontro dos rios não dura para sempre
Ainda que caminhem um bom pedaço de chão lado a lado, logo as coisas começam a
se misturarem, ainda que no começo seja só por debaixo.
Pode ser que na mesa também seja assim, tudo permaneça
separadinho por mais tempo por cima, mas o que se passa pode debaixo dela
revela que nem tudo respeita o lado de cá e o lado de lá da vida.
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É preciso deixar claro que muitas vezes as mãos escrevem
também o que querem, assim como faz a cabeça quando pensa.
É por isso que se pode ir escrevendo, separando os assuntos por
traços, sem se importar muito se uma coisa toca a outra, ou mesmo se o que está
escrito numa faz sentido com ela mesma.
Escrever pode ser apenas um gesto ou um ato. Despreocupado.
É liberdade escrever sem a obrigação de dizer.
Basta estar
aí, já é dizer que voltou.
domingo, 15 de julho de 2018
Verde e azul Maria
Há lugares na vida que, de tanto
amor,
tudo nos faz florescer.
Lugares em que o verde tem mesmo
cheiro de esperança,
E o céu, um azul que refaz o mar
trasbordar no Velho Chico.
Há um lugar em que o azul e o
verde se misturam
tão perfeitamente que tudo parece
amor:
amor feminino, amor-ternura,
de mulher
De uma, duas, tantas Marias
Mas nesse lugar, onde as Marias
são três, e as cores são duas
o coração, junto com o rio,
também transborda no mar
E quando a gente volta de lá,
tudo parece estar reformado
Repintado em verde-e-azul-Maria.
sábado, 16 de junho de 2018
CUMPRA-SE
Feliz mesmo é quem pode, ao menos uma vez na vida,
acordar amado.
Ainda que de modo um pouco controverso,
onde os opostos brincam de esconde-esconde dentro de casa
E, à beira da intempestividade jurídica do amor,
que a todo tempo quer ditar os seus “Cumpra-se”
um jeito clínico de olhar o mundo,
e sua medicina do afeto,
é capaz de curar almas insensíveis,
trazendo-as de volta ao mundo dos vivos
Ao mundo dos vivos que fazem hambúrgueres,
não se esquivam da nudez,
e a cada esquina da casa sabem surpreender-se com um beijo
diferente,
beijos que atravessam
a madrugada.
E apesar de seus “cumpra-se”,
o direito de repente percebe a pureza de mãos que curam,
ainda que tão mexidas
de terra
E, ao se deixar tocar por elas,
salva-se da doutrina que cega e das regras que o impedem de
amar
Porque o gostoso na vida mesmo
é estar em mãos que
não se escondem da terra,
cabelos que não se prendem ao vento
ouvidos que são todos atentos ao coração que também ordena:
Cumpra-se.
terça-feira, 1 de maio de 2018
Questão de mérito
No começo, as palavras pareciam
não fazerem sentido
De tal forma, como se menina,
mesa e pen drive
de repente não coubessem na mesma
frase.
Mas a certo tempo do semestre,
era assim que o dia começava
A menina, a mesa e o pen drive.
No início, era apenas menina e
mesa.
Mas depois, por uma questão de
mérito,
um pen drive se meteu entre eles
Pen drive esquecido,
pen drive perdido.
Então já não era apenas a menina
e a mesa.
Mas o mérito não é meu, disse ela
E de quem seria, perguntou ele
Porque na vida, assim como no
direito,
a questão de mérito é mais intima
e própria
É questão profunda, e carece da mais
aprofundada análise.
Assim, a menina, a mesa e o pen
drive
já não eram mais questão de
linguagem
Cumpridas as formalidades contextuais,
a menina, a mesa e o pen drive
passaram a ser para ele uma
questão de mérito.
segunda-feira, 26 de junho de 2017
uma distinta Bahia
Era Bahia aquele dia. Assim como muito, no entanto em terra
estranha. Terra alheia. Penetrar assim, em casas tão distintas, acaba por
provocar no coração humano certas sensações igualmente instigantes; que
inquietam o coração. Estar ali, em Bahia nova, Bahia tão antiga, era como
visitar o passado nesse presente tão definitivo e nobre. E eu o visitei. Com a
coragem não tão usual, mas com uma capacidade de me deixar acolher e fazer
parte daquele corpo novo, que poucas vezes fui capaz de deixar. Até mesmo, e
isso não é novidade para quem já esteve por lá, só a Bahia pode fazer conosco
certas coisas pouco usuais.
É claro, e isso não diminui em nada aquele gesto, que o corpo
da gente estranha força nova que nele se encaixa e sacode. O corpo, tão
sensível, o corpo sente. Assim como deve ter sido o corpo de quem se deixa
nascer e depois volta ao colo da mãe, porém pelo lado de fora. É assim, estando
no presente, voltar à Bahia.
Estar à Bahia é como estar a bailar, deixar-se ir, de repente
se ver tocado por completo. Não é qualquer um que nos toca o corpo; não é força
qualquer que tem acesso ao coração alheio. Nem todo sol e mar é Bahia, nem todo
sertão é tão grande. Grande mesmo é estar ali, sem medo e pleno. Porque na
coragem que é estar em Bahia, entende-se um modo novo de ser pura ousadia. Ousadia
que pode, e ousadia que dá vergonha. É preciso saber quando o corpo quer ser
parte, ou quer ser só.
E a Bahia está ali; sempre esteve. Ao contrário de mim, que só
por passagem deixei-me tocar, assim como se toca um pássaro viajante, que beija
e se vai. Mas ao ir-se da Bahia, ninguém se pode ir o mesmo. Mesmo quando tudo
parece ter se chegado ao fim. O fim da vida, na Bahia, é apenas estágio de
passagem, passagem do pássaro viajante. A vida passar, mas ela, a Bahia, estará
sempre por ali, esperando que nosso corpo se refaça e renasça para dela se
nitrir uma vez mais. No eterno chegar e partir que só o navegador das bahias
poderia saber.
Mas assim como quem toca e se deixa tocar à distância, de
repente Bahia é sonho que se passa, sonho que se disfarça em desejos molhados
de água de coco. De repente, Bahia, para quem simplesmente agora olha daqui de
Minas, é simplesmente triste lamúria e saudade do tempo em que de fato se podia
deixar encostar e sentir aquele gosto perpétuo de mar, e deixar de amar.
E a Bahia se perde. Ou melhor se dizendo, perde-se da Bahia
que soube acolher num viajar distante em que já não se reconhece. Bahia
estranha, estranha a gente que foge dela. Em palavras soltas e conexão fraca, o
presente se faz insustentável frente ao futuro. E o futuro passa, assim como a
Bahia passou em nós, apesar de estar sempre ali, prestes, a cada momento, a nos
conectar ao distante. Mas há coisas que a distância não pode explicar. Há coisas
que à distância não se explica. Não se explica a Bahia que, alheia, acolhia e
simplesmente era uma dia, ainda sem ser presente.
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