quinta-feira, 7 de julho de 2011

a árvore no meio do jardim

a árvore no meio do jardim
era nosso amor:
por um acaso brotou,
tornou-se responsável, firme e perseverante
e cresceu, deu frutos.
mas alguém que não sabia do nosso amor
foi lá e cortou a árvore.
aquele tronco no meio do jardim
foi o que restou do nosso amor.

terça-feira, 5 de julho de 2011

quarto-mundo

atualmente minha poesia,
minha triste poesia,
limita-se a um quarto:
com uma porta e uma janela
restringe-se à minha mesa e minha cadeira
a cama
em breve, porém, minha poesia
reduzir-se-a ao mundo
e a vontade de fugir dele.

tempus presens

agora já não é tempo de poema
é tempo de esperar (apenas) o acontecer:
calmas, caladas, frias.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

poema

com o poema se faz guerra
se faz amor
faz-se de tudo um pouco.
com o poema se conquista
se encanta, declara-se.
o poema pode ser a última carta de um suicida
ou o recado de quem foi e nunca mais voltou.
o poema pode ser parede branca
nua como a vida
estática como o mundo
vazia como a esperança.

domingo, 3 de julho de 2011

vaca voa? (primeira parte)


Nesse mundo, tantas histórias e estórias existem. Mas aquele ali? Nunca se viu alguém tão criativo e mentiroso assim. Todo dia ele vem com um acontecimento fantástico, e conta tão seriamente que parece ser verdade; até a gente que o conhece fica inseguro de desmenti-lo. Outro dia ele estava na montanha fazendo caminhada e disse ter visto uma nuvem que pairou sobre ele... Deve ter se sentido como um Cristo prestes a se transfigurar.

O dia que ele não tem uma história nova deixa de ser dia. Mesmo quando os ouvintes não dão crédito ao seu relato, ele não deixa de se divertir. Mas quando acha um que o olhe fixamente, cheio de fé e atenção... Bem, ele faz a festa. Quanto mais corda se dá, mais ele abusa e estende seus relatos.

Já lhe deram a idéia de escrever suas historias para a posterioridade. Mas ele, homem muito simples, diz sempre que isso não é para ele não. Ao menos um bom senso de si ele às vezes tem. E apesar de não escrever, cada dia ele apronta uma pior. Alguns juram que ele está louco, e outros juram terem visto os mesmos fatos que nosso “Sr. Imaginação”.

As pessoas adoram ouvirem coisas absurdas, algumas  porque acreditam de fato e outras ouvem apenas porque sabem que a vida é dura e se é preciso sorrir às vezes com algumas figuras cheias de imaginação para criar piadas e contos. Quanto mais arriscam defender seus casos, mais engraçado fica, mais o povo ri.

Hoje ele veio com uma daquelas que quase, de fato, o colocaram em uma clinica de tratamento psiquiátrico. Segundo ele, vinha andando sozinho pela BR. Antes de chegar à ponte, resolveu descer por uma trilha que alguém fez no barranco. Bem, ao chegar à metade da escada, ele viu cruzar o céu uma vaca. Isso aí, vaca agora voa, e ai de quem duvidar.

Automaticamente, alguns levantaram e disseram que dessa vez ele estava passando dos limites. Alguém ainda disse: “Chamem uma ambulância gente, é perigoso ficar perto dele. Pode ser contagioso”. Mas ele pediu a chance de explicar. Então lhe deram a oportunidade de se defender:

“Gente, é claro que vaca não voa. Ao menos sozinha ela não pode voar. O que ocorreu foi que em cada pata havia mais ou menos uns dez urubus que a carregavam pelo ar; e ela não estava tão gorda assim. Eu até pensei que a vaca estivesse morta, mas não. Pelo contrário: ela estava tão viva que ainda retribuía o favor que os urubus prestavam. Em troca do transporte gratuito, ela amamentava os filhotinhos de urubus que voavam juntos, pregados em suas tetas...”

Outro disse: “Chega. Nunca vi tanta asneira. Pior não é ele, e sim a gente que perde tempo ouvindo”.

Mais um ainda: “É nisso que dá dar chance a um louco para que se defenda”.
Como não puderam prendê-lo em um hospício, muita gente teve de criar paciência para continuar ouvindo os casos do homem. Mas um bom número de pessoa gostava de ouvir as histórias e estórias do homem para o qual não havia limites entre o real e o imaginário. Para ele, sonhar e viver dava igual, e besta era quem ficasse questionando. 

E se vaca voa? Uai! Ao menos as que ele via voavam.


descompasso

minha poesia perdeu o pique,
não me acompanha mais.
minha vida está lá na frente
minha poesia lá atrás.
e não há como resgatá-la
e é por isso que tudo parece caminhar assim
tão descompassado.
a vida no futuro, a poesia no passado.

esperança

a fotografia no criado
indica simplesmente que tudo prossegue
apesar do silêncio
e do cheiro de mofo.

calendário

o calendário na parede
é para contar os dias que se passaram.
o calendário da mesa
é para contar os dias que faltam passar.
no meu peito
o coração marca a intensidade do meu amor:
amor que não passa, amor que nunca pára
que apenas bate, bate
bate por amor.

levaremos saudade

o que levaremos daqui
será saudade.
ficará em nosso coração
a saudade de todos;
a saudade das pessoas (das boas e das más),
dos animais...
da casa e das casas
da comunidade e da comida
a saudade do tempo
e em todo tempo sentiremos saudade.

infinito

sepultaram meu ânimo
sobre mim, apenas o mausoléu
o resto é infinito

setembro

hoje seria setembro.
mas às vésperas
chegou-nos o caos e não a primavera.
pela manhã, restou-nos apenas o cheiro
melancólico
de esperança perdida.

sonhos

;;; foram muitos os que se entregaram aos sonhos,
mas todos descobriram que sonhar não bastava.
as cartas de amor foram todas queimadas
pois não faziam sentido,
tornaram-se ridículas.
o que foi chamado mistério
era um simples pretexto, dentro de um contexto,
para justificar os erros.
descobriram que ser nazista ou nacional-socialista
dava igual
e que Hitler foi uma simples vingança
de um grande complexo.
hoje os sonhos marcham sem sentido
e de modo solene
saudando, apoteoticamente, ad nihil.
e depois adormecem todos, exaustos
à margem da existência
para despertarem, quem sabe,
no regaço de quem os criou;;;