domingo, 3 de junho de 2012

a morte do pedreiro


Há pouca casa no país:
é preciso levantar cedo.
Há muitos pobres no país:
é preciso levantar cedo.
Há no país um pedreiro que Drummond não conheceu, apresentemo-lo.

Assim, todos os dias,
meu pedreiro sai de casa
para enfrentar a labuta de 12 andares.
Sobe massa, cai cimento
ouve xingo, finge não ouvir
(para viver, às vezes é preciso fingir de surdo).
O mínimo de descanso
permite-lhe uma “malmita”:
um pouco de arroz, um pouco de feijão
(sim, um pouco, pois feijão virou ouro, dizem por aí)
e quando o salário não dá carne,
põe mais um pouco de arroz.
A couve refogada é o que dá um toque diferente.

Todos os dias, meu pedreiro,
na volta para casa,
enfrenta chuva no ponto
tumulto no ônibus
e sempre há quem o olhe,
torça o nariz e sai de perto.
Há quem ouse dizer:
“Como fede!”.
De fato eles não sabem
do dia de meu pedreiro;
não sabe das costas feridas
e nem de seu pé rachado pelo cimento.

Quando chega perto das casas
(a sua é alugada)
há um alívio
“Chega de gente ruim”.

Mas nesse dia,
meu pedreiro que, após descer,
sempre espera o ônibus sair,
estava com pressa.
Seu tamanho diminuto
não permitiu visão ao motorista
que por sua vez arrancou com a máquina
sobre meu sofrido pedreiro.

Caído no chão
 O povo seguiu o barulho.
“Mataram um coitado!”
“Alguém chame uma ambulância”.
Mas muito já era tarde
Meu pedreiro já não podia
construir sua própria casa
nem a casa de ninguém
Não havia tempo, furtado pela sua pressa inocente.

Algo no asfalto
chamava a atenção de todos
Se era sangue
Se era concreto
não sabemos.

O que escorria de sua testa
encontrava-se no chão com o resto de construção
que se desprendera de sua roupa
deixando vivo
o sonho da casa própria.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Vaca voa?(segunda parte)


Há algum tempo, um sujeito aloprado tem insistido numa história que parecia ser absurda. Digo parecia, pois o número de pessoas que têm parado para ouvir e até mesmo crer piamente na historia tem aumentado a cada dia de modo assustador. Trata-se do sujeito que diz ter visto uma vaca sendo carregada por urubus na cidade de Santos Dumont.

Muita gente se manifestou contra o fato e a favor de uma internação do bendito homem da vaca voadora. Mas a popularidade da história e até mesmo o apoio que tem recebido impediram os que queriam tomar uma atitude para acabar com aquela coisa de vaca voando. E o causo, verdadeiro ou não, da vaca foi ganhando mais vida.

O entusiasmo com o qual o tal indivíduo insistia na história e o seu modo de contar o fato a todos que encontrava pelo caminho estava fazendo com que adquirisse numerosos adeptos desejosos de também verem a famigerada vaca voadora. Inclusive, encontraram outro dia em sua casa uma carta na qual ele dá a entender que a vaca tem evoluído de fase, subentendendo que a vaca voadora lhe aparece com certa regularidade.

“Algumas histórias vêm e vão embora tão tempranamente que podem não restar se quer recordações. Outras, no entanto, são capazes de permanecer e transformar vidas. Assim é a história da vaca que voava pela cidadezinha de Santos Dumont. A história da vaca que vinha certa feita voando, melhor, sendo carregada pelos urubus tem ganhado espaço e vida própria nos meios nos quais ela tem sido apresentada.

Após longos anos de insistência sobre a veracidade da existência da vaca voadora, a natureza parece ter ouvido com presteza e admiração o caso da vaca e por isso mesmo deu a ela um auxílio. No primeiro momento em que o fenômeno da vaca se manifestou, percebe-se ali uma questão de mutualismo entre seres vivos, entre vaca e urubus.

Não se tem explicação lógica para a próxima notícia, não se tem ciência capaz de analisar tal acontecimento. Mas se tem uma grande e feliz notícia a ser dada: a vaca que voava por ajuda dos urubus obteve da mãe natureza formidável presente.

Talvez do plano do qual eu noticiando se torne bastante tranqüilo a notícia: que a vaca voadora se manifestou mais uma vez neste ano e de modo muito mais surpreendente: a vaca voava não mais por ajuda de urubus, e sim por suas próprias asas. Ela parece ter adquirido asas semelhantes as dos urubus, porém mais resistentes e longas. A natureza parece, ainda que isso seja, talvez, ilógico, orvalhado sobre as costas da nossa querida e amada vaca, possibilitando assim que se brotasse as tão fortalecidas, capazes de leva-la tão longe...”

Se vaca voa, não sabemos.  A certeza que tínhamos quanto a impossibilidade do fato se desfez pela insistência e capacidade de contar com tanto entusiasmo, semelhante à de quem de fato viu um milagre. Se é louco, sonhador, sujeito delirante, não sabemos. Mas sabemos que hoje muitos já se deixaram se convencer e até mesmo passaram a crer que a vaca é o sinal prometido, mandado do céu.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

um cadinho de amor


Que o amor se prove
Na prova viva
Como ouro no cadinho
Submetido às chamas.
Que ele se prove
Sempre intenso
Na astúcia da paixão
Ou na sábia temperança.
Que o amor se faça
Sempre forte
Capaz de suportar a distancia
Como o ouro no cadinho:
Tornar-se puro
Purificado do medo;
Tornar-se forte
Imune aos efeitos da dor.
Que o amor se prove
Assim como ele é
Capaz de passar pela experiência do tempo
Porque provar é isto:
Experimentar intensamente o que se é.
Se é amor, amor será.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

maturidade

Queria o grito,
a pirraça da criança e o medo do escuro
Queria a revolta de adolescente,
dinheiro sem futuro
e o nervosismo dos primeiros beijos
Mas a temporalidade não costuma dar tempo
e se a gente não cresce...
e se a gente não cresce!