Preciso confessar que sempre tive um caso com os meses. Por
exemplo, março é o mês que nasci, abril é o aniversário de meu tio-pai, maio me
recorda Nossa Senhora, junho foi quando meu pai morreu e até hoje esse mês me
faz crescer... Julho é férias pelas quais anseia todo estudante, Agosto é o mês
das vocações. Setembro é um caso sério: metade de minha
família mais próxima nasceu nesse mês e ao mesmo tempo foi sempre um mês muito
difícil. Outubro é das crianças, como eu gostava! Novembro, novembro, sempre
salva meu ano, minha vida. Dezembro, advento, esperança. E sempre o desejo de
um amor que durasse de janeiro a janeiro.
Sei que poderia dizer muito mais de cada mês, porque minha
relação com eles é sempre muito mais confusa e rica. Mas nesse momento não são
o mais importe. Sei também que deixei de falar de um que sempre me incomodava.
Fevereiro. Um mês tão indiferente, de preguiça de recomeçar, de ressaca do
carnaval, das festas de fim de ano. Fevereiro. Poderia vir algo de bom de ti, ó
fevereiro?
E foi assim que uma menina, que hoje faz parte de mim,
participa de mim e que eu desejo participar dela surgiu. Surgiu como uma
surpresa cadente, uma menina misteriosa, uma mulher que vai se fazendo. O
feminino em minha vida é como um perfume suave depois de um dia pesado de
trabalho, depois de deixar o banho tirar os odores. O feminino é noite que me
inspira e suspira, que me faz lembrar de ser poeta. E a noite que me gera e me
permite amar.
Nesse ano, fevereiro foi recomeço. Recomeço em tudo, recomeço
sem preguiça, recomeço cheio de ternura e silêncio. Às vezes o amor é gerado
sem palavras, repousando no doce mistério que é silencio de Deus. De repente,
como o que importa aqui são os meses, não falarei do feminino. Mas de fevereiro
que veio em cheiro, com sabor e cheiro, com hora de chegada e de despedida:
começava na praça da liberdade, depois de um tempo bem antes, e terminava na
descida de um morro cujo nome do bairro não me recordo. Fevereiro me fazia
imaginar, sonhar, querer arriscar. Fevereiro pareceu querer me fazer ser mais
forte, não render ao medo e confiar que março seria um presente para o ano
todo, para o curso todo, a vida...
Minha história com os meses parece continuar... complexa e
cheia de mistérios. Janeiro continua especial, novembro, junho... Mas nesse
ano, foi fevereiro que forneceu matéria para todos os outros. Fevereiro tão
estranho, fevereiro tão morto, tão cansativo e que de repente me fez novo. Meu
sonho agora não é que a vida toda seja fevereiro, mas que o perfume, a ternura
e o olhar de fevereiro perdure pelo ano e, se possível, enquanto ainda for
capaz de ter um coração pulsante.
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