Era Bahia aquele dia. Assim como muito, no entanto em terra
estranha. Terra alheia. Penetrar assim, em casas tão distintas, acaba por
provocar no coração humano certas sensações igualmente instigantes; que
inquietam o coração. Estar ali, em Bahia nova, Bahia tão antiga, era como
visitar o passado nesse presente tão definitivo e nobre. E eu o visitei. Com a
coragem não tão usual, mas com uma capacidade de me deixar acolher e fazer
parte daquele corpo novo, que poucas vezes fui capaz de deixar. Até mesmo, e
isso não é novidade para quem já esteve por lá, só a Bahia pode fazer conosco
certas coisas pouco usuais.
É claro, e isso não diminui em nada aquele gesto, que o corpo
da gente estranha força nova que nele se encaixa e sacode. O corpo, tão
sensível, o corpo sente. Assim como deve ter sido o corpo de quem se deixa
nascer e depois volta ao colo da mãe, porém pelo lado de fora. É assim, estando
no presente, voltar à Bahia.
Estar à Bahia é como estar a bailar, deixar-se ir, de repente
se ver tocado por completo. Não é qualquer um que nos toca o corpo; não é força
qualquer que tem acesso ao coração alheio. Nem todo sol e mar é Bahia, nem todo
sertão é tão grande. Grande mesmo é estar ali, sem medo e pleno. Porque na
coragem que é estar em Bahia, entende-se um modo novo de ser pura ousadia. Ousadia
que pode, e ousadia que dá vergonha. É preciso saber quando o corpo quer ser
parte, ou quer ser só.
E a Bahia está ali; sempre esteve. Ao contrário de mim, que só
por passagem deixei-me tocar, assim como se toca um pássaro viajante, que beija
e se vai. Mas ao ir-se da Bahia, ninguém se pode ir o mesmo. Mesmo quando tudo
parece ter se chegado ao fim. O fim da vida, na Bahia, é apenas estágio de
passagem, passagem do pássaro viajante. A vida passar, mas ela, a Bahia, estará
sempre por ali, esperando que nosso corpo se refaça e renasça para dela se
nitrir uma vez mais. No eterno chegar e partir que só o navegador das bahias
poderia saber.
Mas assim como quem toca e se deixa tocar à distância, de
repente Bahia é sonho que se passa, sonho que se disfarça em desejos molhados
de água de coco. De repente, Bahia, para quem simplesmente agora olha daqui de
Minas, é simplesmente triste lamúria e saudade do tempo em que de fato se podia
deixar encostar e sentir aquele gosto perpétuo de mar, e deixar de amar.
E a Bahia se perde. Ou melhor se dizendo, perde-se da Bahia
que soube acolher num viajar distante em que já não se reconhece. Bahia
estranha, estranha a gente que foge dela. Em palavras soltas e conexão fraca, o
presente se faz insustentável frente ao futuro. E o futuro passa, assim como a
Bahia passou em nós, apesar de estar sempre ali, prestes, a cada momento, a nos
conectar ao distante. Mas há coisas que a distância não pode explicar. Há coisas
que à distância não se explica. Não se explica a Bahia que, alheia, acolhia e
simplesmente era uma dia, ainda sem ser presente.
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